segunda-feira, 14 de maio de 2007

eu por Ella


Ella acordou bem. Com sentimento de dever cumprido. O ensaiado encontro tinha acontecido afinal. Na noite anterior. Após meses e meses de espera, dias e dias de preparação mental, horas e horas de ansiedade e 15 minutos para trocar de roupa e se maquiar.

O lugar perfeito, o friozinho da noite, o pouquinho do álcool, muita conversa inútil, uma carona pra casa e enfim o tão esperado beijo.

A rua escura, o carro parado, a hora do goodbye. O momento the end chegando e a dúvida nos olhos dos dois. “Então tá, a gente se fala...” e os rostos se aproximam para o beijinho-de-boa-noite. “Saco”, pensa Ella, “mais uma vez morreremos nessa praia sem ondas.”... e acontece o tal beijinho-no-rosto. Junto com um forte abraço. Só que na hora do fim, as faces não se descolam. Um momento de inércia. E ela: “não acaba, não acaba, não agora. me deixa aqui, que eu fico quietinha sentindo o teu cheiro” enquanto ele se afasta, quase constrangido.
Ela encara aqueles olhos que fulminam “me beija vagabundo! Ainda há tempo!”. E ele sorri aquele sorriso indefectível enquanto se ajeita destravando a porta. “Ai, Deus, ele me odeia! Não vai rolar nunca!” e Ella joga a testa pra trás, implorando “cadê o tele transporte? Alguém me tira daqui!”. Respira fundo e quando volta sua cabeça pra frente, se vira para procurá-lo já engatando o carro. Mas ele ainda está ali. De frente pra Ella, mais perto do que antes, mais perto do que nunca. Assustada, tenta balbuciar alguma coisa, mas é interrompida por mãos que se afundam nos cabelos lisos que ela lavou naquela manhã. Ele fecha os dedos e a puxa para si. “ai, ta doendo! ai, não pára!”. Pega de surpresa, tenta respirar, mas perde o ar no beijo violento.
Represado há tanto tempo, só poderia ser uma avalanche. Sentia-se numa inebriante crise de asma. Buscando o ar, mesmo que rarefeito, só encontrava boca, saliva e o gosto reconfortante que vinha de dentro dele.

Perceberam-se brutos, instintivos. Tentaram diminuir o ímpeto, tentaram beijar-se com carinho, com brandura. Em vão. Atarracaram-se dentro do mesmo beijo.
Como se dependessem daquele vácuo para respirar. Como se daqueles lábios grudados surgisse força para sobreviver. Como se aquele beijo fosse um último sopro de oxigênio para ambos. E era.

Ella já sentia o rosto ardendo, esfoliado pela barba rala que ele insistia em deixar. Sentia o coração disparado e o nó de estômago que tanto procurava. Sentia gosto de sangue. Havia cortado a boca em algum momento do qual não se lembrava.

Ella já não era mais ela, já não era mais Ella. Era um misto de paixão e taquicardia. E medo.
Não soube, em minutos, o quanto durou. Sabia que deveria parar ali, mas que também precisava de mais. “Foi. Não devia ter sido. Não assim. O qué que eu faço agora?”.
Parou, pensou, raciocinou, racionalizou, mandou tudo a merda e o beijou de novo.

Ele a puxou com vontade. Ela pulou para o lado dele. Baixaram, não se sabe quem, o banco. E Ella percebeu que o caminho era sem volta.
E já que sabe, como ninguém, se arrepender -só- do que faz, ela seguiu em frente.
Sentia o corpo tremer, se contrair. “Fodeu. Isso não vai acabar bem. Ou vai, ou ahnnn, hum...” Percebeu-o excitado. Percebeu-se encharcada. não se conteve “me dá essa mão aqui. Ele precisa sentir o que fez comigo. Toma!”. E ofereceu-se. Ele a sentiu. E ele enlouqueceu. E beijaram-se novamente. De forma intensa e quase sexual. Praticamente um um sexo "oral”.

“Será que eu fiz certo? indo rápido demais. Tudo bem, não passo disso.”. E com toda essa ‘certeza’ desceu pelo pescoço dele.
Divertia-se ao ver aquele homem-modelo ofegante e descontrolado “who’s your daddy now?”.
Com o truque que conhecia, Ella abriu com os dentes cada botão da impecável, e já amassada, camisa branca.
“Daqui eu não passo. Eu sei o que estou fazendo. Eu sempre sei. Só vou me divertir mais um pouquinho... ai que maravilha, sem pelos no peito!” agradeceu, lambendo cada centímetro quadrado e escorregando a língua até o jeans italiano do moço.
Abriu o zíper, “só de brincadeira”. Parou para admirar a cueca branca preenchida. Sempre preferiu cuecas brancas.

Lembrou-se de que estavam na rua, olhou para os lados através dos vidros embaçados, viu a chuva cair insistente sobre o asfalto e confirmou que a madrugada era apenas dos dois. Olhou para ele, para aqueles olhos mortais que a penetravam até a alma. Ao menos um momento romântico...

Mas ela não estava mulherzinha, não estava ali para romance. Igual a um vampiro, já tinha sentido o gosto de sangue. E agora era tarde demais. “Eu bem ciente do que estou fazendo.”. E com a ‘certeza’ do que queria desde o começo, ela meteu-lhe a mão entre as pernas e ao primeiro gemido do rapaz, trocou sua mão pela boca.
Do jeito que fez, não demorou a acabar.

Com aquele conhecido bittersweet after taste na boca, ajeitou a blusa esgarçada e esticou a saia.
Beijou-o no rosto suado e abriu a porta. Ele, imóvel, ainda tentou segurá-la pelo braço, pedindo que ficasse. Queria retribuir, na verdade. “Não precisa. Não preciso”.

Ella já tinha conseguido o que queria.
E passou pelo portão, sem olhar para trás, com um sorriso largo nos lábios e uma lágrima escorrendo do olho. Certa de que, desde aquele momento, o perdera para sempre.



Trilha (no carro): Ella Fitzgerald
. Something's Gotta Give
. My Funny Valentine
. Bewitched, Bothered, & Bewildered
. I've Got My Love To Keep Me Warm
. The Lady Is A Tramp
. I Got It Bad (And That Ain't Good)
. Looking For A Boy
. I'm Getting Sentimental Over You
. You Leave Me Breathless
. People Will Say We're In Love
. Nice Work If You Can Get It
. Everytime Time We Say Goodbye

30/04/07